Quando
um estudante com deficiência chega ao ensino superior, a instituição que o
recebe tem pouca ou nenhuma informação sobre o seu passado. Os apoios que
recebia ou o tipo de trabalho a que estava habituado são desconhecidos dos
novos professores. A dificuldade de articulação entre as universidades ou
politécnicos e as escolas secundárias é “um problema”, considera o
coordenador-técnico do Gabinete para a Inclusão da Universidade do Minho,
Carlos Barbosa, dificultando a integração destes alunos.
“Nenhuma
instituição sabe que estudantes com necessidades especiais vai receber em cada
ano”, constata a coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão Digital do
Instituto Politécnico de Leiria, Célia Sousa. Apesar de os alunos que entram
através do contingente especial para estudantes com deficiência estarem
identificados, há muitos outros que necessitam de apoio e entram pelo
contingente geral. Esses são um grupo indiferenciado, que as instituições não
têm como conhecer, a não ser que eles acabem por procurar a ajuda dos gabinetes
de apoio.
Mesmo
para trabalhar com os estudantes com deficiência que entram pelo contingente
especial, os serviços especializados encontram dificuldades. A inexistência de
mecanismos de comunicação impede a informação de chegar às universidades e
politécnicos. Quando os alunos aparecem com os seus problemas específicos, “é
preciso montar soluções no momento, quando podíamos estar a antecipar as
coisas, se esta articulação existisse”, diz Célia Sousa.
“Não era
difícil prever quais são os alunos do secundário que vão acabar por prosseguir
estudos”, afirma a vice-reitora da Universidade dos Açores, Ana Teresa Alves.
Defende que é necessário criar legislação específica para os apoios aos
estudantes com deficiência no ensino superior.
O
Decreto-Lei n.º 3/2008 define os apoios aos estudantes com necessidades
educativas especiais na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário.
No entanto, o diploma legal não se estende ao superior, que não tem um quadro
formal de enquadramento dos apoios aos estudantes com deficiência.
Esta
dificuldade é também detetada no diagnóstico sobre as pessoas com deficiência
visual e auditiva publicado este ano por um grupo de investigadores da
Universidade Aberta e da Fundação Calouste Gulbenkian. A falta de um normativo
aplicável em específico ao ensino superior, diz o relatório, cria “na prática
um certo 'vazio legal'” neste setor, o que leva universidades e politécnicos “a
adotar iniciativas avulsas, não concertadas entre si”.
Salas de aula
não estão preparadas
Os
gabinetes de apoios aos estudantes com deficiências têm-se generalizado no
ensino superior público, mas persistem dificuldades nas respostas das
instituições. O inquérito sobre os apoios concedidos aos estudantes com
necessidades educativas especiais do ensino superior feito, há três anos, por
Lília Aguardenteiro Pires, Ana Almeida Pinheiro e Valentina Oliveira,
investigadoras da Universidade de Lisboa, revelou que metade das instituições
de ensino superior não possuem um regulamento especial. Além disso, em 9% das
universidade e politécnicos não é possível a realização de provas adaptadas nem
são conferidas condições especiais para a realização de trabalhos ou provas de
avaliação a estudantes com deficiência.
Ao nível
das infraestruturas o cenário encontrado é ainda pior do que ao nível dos
apoios à aprendizagem, com cerca de metade das salas de aula, salas de estudo e
laboratórios e não estarem preparados na totalidade para receberem estudantes
com deficiência.
“Fazemos
o melhor possível dentro das condições que temos”, diz Ana Teresa Alves. E
lembra os cortes no financiamento público que as instituições sofreram nos
últimos anos, que causaram problemas à sua gestão — a universidade que dirige
está mesmo sob plano de recuperação financeira.