Cérebro de um doente com ataxia hereditária SCA37. O cerebelo é a região mais comprometida nesta doença I3S |
Uma equipa de investigadores portugueses do i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto) identificou a alteração genética que causa uma doença neurodegenerativa incurável que, para já, só foi diagnosticada em famílias portuguesas das regiões do Sul do país. Num artigo publicado esta quinta-feira na revista científica American Journal of Human Genetics, os cientistas explicam onde encontraram o “erro” que desencadeia a doença. Está no cromossoma 1, num gene chamado DAB1. Agora, “só” falta encontrar uma forma de o corrigir.
Os sintomas da doença aparecem já na idade adulta mas são fortemente incapacitantes, afetando o movimento e a coordenação e progressivamente dificultando a execução de simples tarefas como andar, falar, engolir ou escrever. É uma doença neurodegenerativa rara incurável que faz parte da família das ataxias espinocerebelares (SCA, do inglês spinocerebellar ataxia), com uma prevalência de quatro em cada 100 mil habitantes. Neste caso, trata-se da SCA37 que é clinicamente muito parecida com a doença Machado-Joseph, a ataxia hereditária mais comum em Portugal. No caso da Machado-Joseph, a mutação já está identificada e foi encontrada num outro gene e num outro cromossoma.
Agora, e passados dez anos de investigação, a equipa do i3S encontrou o “erro” que causa a SCA37. Para explicar a descoberta de uma forma simplista, olhe para o gene DAB1 (que, diga-se de passagem, é um dos maiores genes do genoma humano e é responsável pelo desenvolvimento neurológico durante a fase embrionária) como uma palavra com várias letras. Uma pessoa saudável tem neste gene algo como ATTT. O que os cientistas perceberam é que num doente com esta ataxia hereditária este gene tem não só uma repetição desta sequência várias vezes (ATTT) como também tem uma letra (um C, por exemplo) a mais. Este erro “é tóxico”, explica a coordenadora do estudo, Isabel Silveira, do Grupo de Genética da Disfunção Cognitiva do i3S.
Para comprovar a “toxicidade” do erro encontrado nesta palavra, os investigadores introduziram a sequência alterada num embrião do peixe-zebra (um modelo animal frequentemente usado em estudos genéticos). “O que vimos foi o aparecimento de malformações graves e uma baixa taxa de sobrevivência dos embriões, o que provou que a sequência era tóxica.”
Aliás, segundo concluíram, o “erro” pode até agravar-se em determinadas situações. Por exemplo, quando esta mutação é transmitida aos filhos (e há 50% de probabilidade de acontecer), o tamanho da sequência alterada aumenta, sobretudo se o portador da doença for o pai. E quando o “erro” é maior, os sintomas da doença são mais precoces e mais graves, concluíram ainda.
Os investigadores acompanharam três grandes famílias e três mais pequenas do Sul de Portugal, particularmente da região do Alentejo, onde foram identificados 41 doentes. “O acompanhamento destas famílias foi essencial para perceber os efeitos da doença de geração para geração”, refere (...) Isabel Silveira. A frequência desta doença rara é elevada no Sul do país mas a cientista acredita que “a causa genética agora descrita poderá estar também na origem da condição clínica de indivíduos de famílias de outras origens geográficas, nomeadamente algumas famílias espanholas que clinicamente estavam descritos como possuindo a SCA37, mas cuja causa genética ainda não é conhecida”.
O estudo, explica a cientista, permitiu o desenvolvimento de um novo teste genético que deverá “alargar as possibilidades de diagnóstico e aconselhamento genético a familiares mesmo antes dos sintomas da doença aparecerem”. Abre-se também a possibilidade de usar este conhecimento sobre a mutação para futuro diagnóstico genético pré-implantatório que poderia permitir escolher os embriões saudáveis e evitar o desenvolvimento da doença.
Mas, para já, o próximo passo é tentar reparar o erro em doentes, encontrando soluções que permitam (pelo menos) abrandar a progressão da doença. “Vamos tentar perceber de que forma esta alteração causa esta toxicidade, porque ainda desconhecemos o mecanismo, e vamos também tentar ver se encontramos alguma biomolécula capaz de bloquear este erro. Vamos primeiro fazer experiências com linhas celulares e peixes-zebra. Isso é fundamental para encontrar alvos para o tratamento.” Ou seja, é necessário perceber como é que este “erro” funciona, que mecanismos e efeitos são desencadeados e como isso acontece, para depois bloquear as letras que estão a mais neste gene e fazer com que o nosso organismo leia aqui (no gene DAB1) uma palavra bem escrita, sem elementos tóxicos.
In PUBLICO
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