Radicado nos Estados Unidos há mais de 30
anos, o neurologista porto-alegrense Carlos Gadia é referência em autismo —
transtorno de alta complexidade que afeta a interação social e a comunicação.
Gadia, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalha
como diretor associado do Dan Marino Center, na Flórida, instituição criada a
partir de uma doação milionária do famoso ex-jogador de futebol americano que
dá nome à instituição — Marino é pai de um autista.
De
passagem por Porto Alegre na última semana, Gadia conversou com o Vida sobre o
diagnóstico e o tratamento do transtorno, caracterizado por comportamentos
repetitivos e estereotipados, e ressaltou as principais dificuldades
enfrentadas por profissionais e famílias no Brasil. De acordo com o
especialista, há razão para otimismo na área científica: a manipulação genética
logo deverá permitir abordagens individualizadas:
— Num
futuro bem próximo, será possível identificar, para uma criança específica, as
substâncias que podem ser utilizadas para tentar normalizar a função neuronal.
Isso poderá servir para diminuir a severidade dos sintomas ou, em algumas
situações, ter um efeito mais generalizado no funcionamento cerebral. Haverá
uma revolução.
Entrevista:
Ainda é
difícil diagnosticar o autismo?
Em
termos mundiais, o diagnóstico está se tornando cada vez mais precoce. No
Brasil, existe ainda um déficit bastante grande na formação médica. O autismo
raramente é citado durante a formação, nem aparece no currículo de faculdades
de profissionais afins, como as de fonoaudiologia, terapia ocupacional ou
psicologia. Existe uma necessidade muito grande de mudar isso. Mas o autismo já
é, relativamente, de fácil identificação.
Os casos diferem muito entre si. Isso dificulta a identificação?
Até
dois anos atrás, a classificação do autismo no DSM (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, na sigla em inglês) gerava uma grande
confusão entre as famílias e os profissionais de saúde. Existiam definições de
autismo, síndrome de Asperger, transtorno global do desenvolvimento. No DSM 5,
isso foi substituído por um termo único, o transtorno do espectro do autismo.
Agora estamos falando de um espectro muito amplo: temos desde crianças
severamente afetadas, que não se comunicam e praticamente não têm nenhum tipo
de interação social, até crianças que falam e têm capacidade de interação
social. As mais severamente afetadas são mais facilmente reconhecidas. No
passado, o que ocorria é que um número razoável dessas crianças acabava sendo
considerada como tendo retardo mental, e se perdia o diagnóstico de autismo. A
mudança da classificação foi muito útil, mas existem ainda dificuldades no
diagnóstico e na avaliação das crianças mais funcionais.
A que
sinais os pais e a escola devem estar atentos?
Historicamente,
o que mais chama a atenção dos pais é o atraso na fala ou a ausência da fala.
Infelizmente, em algumas situações, ainda existe a tendência de se tomar a
atitude de esperar para ver. Não é incomum, diante de uma criança de dois anos
que ainda não esteja falando, que o profissional diga para esperar até os três
anos, ou que "meninos falam mais tarde do que meninas", ou
"conheço várias crianças que também não falavam". Isso é inaceitável.
Existem padrões claros do que é aceitável em termos de comunicação. Crianças
que não estão falando palavras simples até os 12 meses de idade: isso não é
aceitável, não é normal. É totalmente anormal e não aceitável crianças de dois
anos não colocarem duas palavras juntas. Depois que elas são avaliadas, em
geral os pais, em retrospecto, se dão conta de que antes já havia outros
sinais: a criança não estabelecia contato visual, não respondia quando era
chamada pelo nome, tendia a se isolar.
A
escola regular é sempre o melhor lugar para o autista?
A
inclusão é sempre a situação ideal. No entanto, requer que a escola esteja
preparada para oferecer àquela criança o que ela necessita. Simplesmente
colocá-la numa classe regular, sem nenhum tipo de intervenção apropriada, não é
inclusão, é exclusão. A ideia de que todo autista deve ser incluído desde o
início só é correta quando as escolas podem oferecer as intervenções
necessárias. Infelizmente, no Brasil, isso é uma raridade.
In HZ Vida e Estilo
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