Distúrbio atinge 5% das crianças, tendo consequências no sucesso académico, na socialização e, em alguns casos, na gaguez e dislexia, diz Cristiane Nunes, do CIEC.
A perturbação de processamento
auditivo (PPA) atinge 5% das crianças portuguesas, tendo consequências no
sucesso académico, na socialização, na realização das tarefas do dia-a-dia e,
em alguns casos, na gaguez e na dislexia. O Serviço Nacional de Saúde ainda não
financia os exames e o tratamento deste distúrbio, caracterizado pela
incapacidade em interpretar sons. A área de estudo chegou a Portugal em 2008
através da fonoaudióloga Cristiane Nunes, que acaba de publicar o primeiro
livro dedicado ao tema no país. A obra é baseada no doutoramento feito no
Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da
UMinho.
Esta publicação vem preencher uma
lacuna científica e literária existente num país onde “nem sequer existiam
testes de avaliação e profissionais a trabalharem na área”. A tese de
doutoramento começou pela elaboração de testes padronizados para a população portuguesa,
recorrendo a uma amostra de 60 crianças dos 10 aos 13 anos – a base de dados
contém hoje mais de 500 pacientes. A seleção dos participantes foi “demorada”,
principalmente devido à confusão generalizada entre PPA e surdez. A
investigadora Cristiane Nunes realça a diferença: “Enquanto uma pessoa surda
nem sempre consegue detetar os sons, a que tem PPA apresenta dificuldade em
interpretar o que ouviu e perceber mudanças acústicas rápidas. Além disso,
costuma demorar mais tempo para processar a informação que passa pelo nervo
auditivo”.
Hein? Pode
repetir?
Os resultados obtidos a partir
dos testes padrão desenvolvidos no CIEC mostram que as crianças com problemas
de audição apresentam maior dificuldade no desempenho escolar, na comunicação,
na leitura, na escrita e na articulação. Mais especificamente, 83% dos
participantes com baixo desempenho nos testes de PPA tinham notas inferiores
aos restantes colegas. “Alguns não conseguiram repetir, por exemplo, um
conjunto de números depois de os ter ouvido ou distinguir entre sons curtos,
longos, agudos e graves. Isso tem implicações na leitura, escrita, fala e na
forma como a informação é interpretada”, afirma.
Os sintomas associados variam em
função da idade e da intensidade da perturbação. Em crianças com menos de 5
anos, verifica-se um atraso na aquisição da fala e, especialmente, dos sons “r”
e “l”. Daí trocarem muitas vezes “prato” por “plato”, por exemplo. A partir dos
7 anos, recorrem a expressões como hein? e quê?, são mais distraídos e não
percebem de imediato o que dizem o professor e os colegas em contexto de
trabalho de grupo. Sem tratamento, o problema arrasta-se para a vida adulta,
tendo repercussões no sucesso profissional, social e amoroso.
Consultas resolvem quase todos os
casos
Os diagnósticos podem ser obtidos
a partir dos 6 anos. A quase totalidade das crianças normaliza após a
realização de exercícios e técnicas que estimulam a formação de novas conexões
no nervo auditivo. O segredo está no tratamento precoce da perturbação,
diz a especialista, que no seu livro recomenda o envolvimento dos educadores no
processo de deteção. “Há testes do CIEC capazes de detetar os casos mais
graves. Se fossem aplicados no início do 1º ciclo, poder-se-ia eliminar pelo
menos metade das ocorrências. O objetivo é identificar os alunos mais afetados
e reencaminhá-los para um audiologista ou terapeuta da fala”, realça. O
tratamento personalizado pode, por exemplo, ajudar em caso de gaguez e atraso
na linguagem, além de munir as crianças disléxicas de estratégias para melhorar
a sua leitura e escrita.
A PPA é discutida desde a década
de 1950 nos EUA e, pelo menos, desde 1980 no Brasil. Por cá, o tema é pouco
abordado. “O Estado não comparticipa os exames e o tratamento, serviços que
também só estão disponíveis em cinco ou dez locais. Ainda há um longo caminho a
fazer”, reforça. “É preciso sensibilizar os pais, os educadores, os psicólogos
e a sociedade civil para a gravidade desta perturbação na vida das pessoas
afetadas”, conclui.
Por Catarina Dias, In Jornal Online da UMINHO
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