Antes do diagnóstico as pessoas não sabem o que se passa com elas. Questionam-se porque são diferentes. Porque é que os outros conseguem e elas não.
A população em geral começa a estar alertada para o problema da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) ou ainda há um profundo desconhecimento?
Começa a estar alertada ao nível da infância por causa da adaptação à escola, porque estes problemas de hiperatividade e desatenção vão colidir imediatamente com o que se pede numa sala de aulas, que é atenção no professor, corpo quieto e sentado. Este é o ambiente oposto do ideal para pessoas com défice de atenção, que têm necessidade de se levantar e mexer.
Os pais, como os adultos que têm mais contacto com as crianças, já sabem interpretar estes sinais e procurar solução?
Cada vez estão mais informados pela sociedade. Muitos pais têm antecedentes de hiperatividade e défice de atenção. A percentagem pode chegar a 50% dos casos. Com muita frequência, o diagnóstico é feito na criança e o adulto diz: ‘eu também era assim e ainda hoje tenho dificuldades de atenção ou concentração que me prejudicam’. Mas o percurso para descobrir esta doença por parte de quem a tem continua a solitário e muitas pessoas sentem que estão num beco sem saída. Por isso, é importante começar a falar destes problemas ao nível da escola e centros de saúde.
Como tem sido a atuação das entidades de saúde em relação a este problema?
Há poucos profissionais e com pouco tempo e assim não se consegue fazer um bom trabalho. Por isso vai-se ao primário. Verifica-se se a criança vê e ouve bem e os aspetos de integração e adaptação ficam para trás. No Hospital de Vila Franca de Xira, que abrange cinco concelhos, os recursos humanos que temos para dar uma resposta especializada, são uma pedopsiquiatra que faz 30 horas e outra que faz 15. É claramente insuficiente. Nos Centros de Saúde há uma grande carência de médicos de família.
Há dados sobre que percentagem da população portuguesa sofre de PHDA?
De acordo com estatísticas internacionais temos 1% da população com PHDA diagnosticada, entre crianças e adultos. Já é muita gente. Claro que nem todos são casos graves. Há casos que não será necessário tratar e outros em que não tratar é negligência. Há, por certo, mais casos que não estão diagnosticados.
Pelas experiências que conhece, há ainda muitas dificuldades de inserção na sociedade por parte de indivíduos com PHDA?
Há, porque o nosso estilo de vida é cada vez mais urbano, sedentário e o lado intelectual é cada vez mais valorizado. Hoje em dia, trabalhar com as mãos é visto como uma profissão de menos valia. Todo o trabalho manual, que ia ao encontro de pessoas com menos capacidade de atenção, tem-se vindo a perder e isso prejudica essas pessoas.
A autoestima é algo que, referem os estudos, é seriamente afetado nas pessoas com PHDA. Que reflexos se observam no dia a dia?
Dificulta a qualidade de vida das pessoas. Primeiro, as pessoas não sabem o que se passa com elas. Questionam-se porque são diferentes. Porque é que os outros conseguem e elas não. É diferente de uma pessoa saber que não consegue porque tem determinado problema. É a diferença entre a pessoa ser o problema e ter o problema. Perceber que não é um problema, mas sim que tem um problema, muda muito a autoestima.
O que é necessário fazer?
É necessário trabalhar as mentalidades a começar pelas mentalidades dos pais porque até eles perceberem que o filho tem um problema questionam-se sobre o que estão a fazer mal, onde falham e porque não conseguem que a criança tenha bem-estar. Há muitas obrigações em casa em que estas crianças têm dificuldade em cumprir. Antigamente recorria-se à violência e aos castigos. Acabava por funcionar, mas com um grau de infelicidade e violência muito grande, dando lugar a adultos infelizes e com baixa autoestima.
Que conselhos se podem deixar aos pais e aqueles que lidam diretamente com as crianças para se poder enfrentar este problema?
Devemos dirigir-nos a quem contacta mais com as crianças. Pais, professores e profissionais de saúde envolvidos na saúde escolar.
Têm que se interrogar sobre o que se está a passar com a criança. Há a tendência para pensar que a criança não se está a ajustar porque é mandriona ou mal comportada. Mas se a criança tem realmente dificuldades de atenção, de relaxar o seu corpo, não é um problema que dependa da vontade dela ou dos pais mas sim qualquer coisa inata nela. Nessa altura temos que procurar a resposta. Hoje, os pais têm falta de tempo, vivemos numa sociedade acelerada em que não temos tempo para sermos os “bons” pais e facilmente se sentem culpabilizados pelo que se está a passar com a criança.
Fonte: O Mirante
Sem comentários:
Enviar um comentário